Carta de Sidney Moura sobre Dilma

Colegas,

Inicialmente gostaria de deixar bem claro: eu não votarei na Dilma.

Tenho minhas razões. Estou convencido de que ela e todos os demais candidatos que se apresentam para disputar as eleições em 2010 não terão compromissos com os reais interesses da classe que só tem a força de trabalho para vender.

Não votarei na Dilma. Nem naqueles que, apesar da crise mundial que desmoralizou a eficiência do capitalismo, continuam a afirmar que somente o setor privado é eficiente, apesar de os cartórios de falência demonstrarem o contrário. Os privatistas da coisa pública dizem que o Estado atrapalha. Mas correm para o estaleiro estatal a fim de tapar os rombos dos transatlânticos empresariais e finaceiros sempre que o "eficiente" sistema de mercado entra em crise. Usam o dinheiro público para salvar especuladores. Enquanto isso, a educação e a saúde continuam sendo sucateadas.

Não votarei na Dilma, nem no Serra, nem nos outros que ora se apresentam porque, no fundo, não passam de gerentes ou síndicos do sistema em que todas as necessidades humanas precisam ser transformadas em mercadorias. Não votarei naqueles que serão financiados pelos grandes grupos econômicos, que irão perpetuar relações sociais desiguais embaladas nas políticas públicas interessadas em encabrestar votos com base na institucionalização da pobreza.

Mas, como professor de História, tenho o dever de oferecer outras visões de certos fatos. Como cidadão tenho o direito de dar minha opinião.

A Dilma, em que não votarei, participou da luta armada contra a ditadura. Não foi um bom caminho. Mas, naqueles anos de chumbo da ditadura fascista, muitos jovens românticos foram simpáticos à ideia de que o regime que torturava e matava os opositores em seus úmidos e sombrios porões poderiam ser derrotados daquela forma. Foi uma opção diferente da de certos privatistas que preferiram viver o exílio dourado na Sorbonne.

Às vezes, em tempos difíceis, é preciso fazer opções. Por isso mesmo muitos jovens, como Jean Mollin, participaram da Resistência Francesa contra Hitler durante a Segunda Guerra; como Dinarco Reis, das Brigadas internacionalistas contra Franco, na Guerra Civil Espanhola; como Patrice Lumbumba, Samora Machel, Agostinho Neto e Nelson Mandela nas lutas de libertação dos povos africanos; Angela Davies em defesa dos afrodescendentes norte americanos; Fidel e Che contra o governo mafioso-marionete de Fulgêncio Batista, entre outros.

Não posso colocar a Dilma, em quem não votarei, no mesmo nível dos acima citados. Mas a atitude dela, no contexto histórico da sua opção, apesar do equívoco, no mínimo deve ser respeitada. Digo isso para que, de forma desavisada, não passemos a reproduzir as provocações do senador Agripino Maia (DEMO-RN) que, em CPI do Senado, perguntou se a Dilma tinha o hábito de mentir. Ao que ela respondeu que, sob tortura, havia mentido para não entregar seus companheiros. E concluiu, ao final, lembrando que, naquela época, o referido senador estava ao lado do regime que fazia calar sob choques e pau-de-arara os que lhes faziam oposição. Será que o príncipe, doutor da Sorbonne, teria a mesma atitude?...Hum... provavelmente não.

Tem uma coisa que é pouco dita. Existiram grupos que entenderam que a única possibilidade de derrotar a ditadura era mobilizando a opinião pública a partir da construção de uma Frente Democrática. Entre estes que optaram pela via pacífica de enfrentamento ao regime ditatorial, muitos também sofreram nos porões da "redentora". Alguns, até hoje, não tiveram seus corpos devolvidos às suas famílias. A tentativa frustrada das bombas do Riocentro estava endereçada a eles.

A vida é dura.

Eu não votarei na Dilma. Ela perdeu a capacidade de seguir chutando, de outras maneiras, as portas das senzalas modernas. Ela, entre outros que se apresentam para o pleito de 2010, estarão a serviço da sobrevida de um sistema de exploração do homem pelo homem. Eu, que sou pelas diferenças e contra as desigualdades, estou à procura de alguém que esteja disposto a lutar contra a rapinagem do darwinismo social e contribua para construir uma sociedade justa, fraterna e igualitária. Que ouse lutar.

Ousar lutar, ousar vencer.

Fraterno abraço.

Sidney
Professor de História da Rede Pública Estadual