Base Francisco Bravo

CHICO BRAVO E A MILITÂNCIA OPERÁRIO-COMUNISTA DE NOVA FRIBURGO

Prof. Ricardo da Gama Rosa Costa (Rico)

FRANCISCO DE ASSIS BRAVO, CHICO BRAVO, ou ainda, CHIQUINHO PIMPÃO, como era mais conhecido em função de apelido ganho na infância por conta de suas peraltices, nasceu em 1910 na cidade de Nova Friburgo e, com pouco mais de vinte anos já participava ativamente das lutas operárias no município.

O movimento operário friburguense viveu um momento de ascenso nos primeiros anos da década de 1930, quando foram criados os primeiros sindicatos, após decreto de Getúlio Vargas regulamentando a sindicalização das classes patronais e operárias, em 1931. Neste ano, com a presença de um alto funcionário do Ministério do Trabalho, foram criadas, em primeira instância, a Aliança dos Trabalhadores das Fábricas de Tecidos de Nova Friburgo e a União Friburguense dos Trabalhadores em Construção Civil. Os operários das indústrias têxteis formalizaram, no dia 1º de novembro daquele ano, a fundação do sindicato, batizado então de União dos Trabalhadores das Fábricas de Tecidos de Nova Friburgo. Um ano mais tarde seria criada a União dos Empregados em Padarias em Nova Friburgo, na sede da Sociedade Humanitária.

Operários da Fábrica de Rendas ARP


O Partido Comunista vinha tentando se organizar na cidade desde 1925, através dos padeiros italianos Elpídio e Maradey, ligados a Otávio Brandão e Minervino de Oliveira, no Rio. Os dois reuniram trabalhadores de fábricas e de outros setores na sede da Banda de Música Campesina, onde discorreram sobre a vida na União Soviética e sobre os ideais do Partido. No entanto, somente quatro anos mais tarde, uma segunda reunião no bairro da Vilage, com a presença de Astrojildo Pereira, concretizaria a criação do PC no município. Com a fundação dos primeiros sindicatos de trabalhadores na cidade, José Pereira da Costa Filho (Costinha) se destacaria à frente do Sindicato dos Têxteis, enquanto Francisco Bravo, pedreiro, atuaria junto aos trabalhadores da Construção Civil, vindo a exercer, mais tarde, durante vários mandatos, a presidência do Sindicato.


Ofício do PCB de Friburgo à Euterpe em 1947

As direções dos sindicatos foram controladas pelos trabalhadores pró-Getúlio, os “amarelos”, no jargão dos comunistas. Em contrapartida, paralelamente à estrutura sindical oficial, o Partido Comunista, estruturado em Friburgo desde 1929, organizou a Fração Sindical, para orientar a atuação dos seus militantes dentro dos sindicatos. Os comunistas, pressionando as diretorias dos sindicatos a uma ação mais firme contra os patrões, que burlavam os direitos recentemente conquistados, como as leis de férias, lançariam então uma Carta de Reivindicações, com a intenção de mobilizar os trabalhadores a partir de propostas tais como “trabalho igual, salário igual”, visando a igualdade de salários para homens, mulheres e crianças. Propunham reajuste salarial de 25% para os adultos homens e 50% para crianças e mulheres, além de licença-maternidade de quatro meses (dois meses antes do parto e dois meses depois) e creches nos locais de trabalho.


1989: Chico Bravo e Sidney Moura


A Carta de Reivindicações não teve resultados práticos, em termos de conquistas efetivas, mas serviu para provocar discussões entre os trabalhadores e iniciar uma mobilização. Aos quatro dias de janeiro de 1933, estourava uma greve que iria canalizar as atenções de toda a cidade, preocupando, inclusive, as autoridades estaduais. O movimento, iniciado na Fábrica de Rendas Arp, propagou-se de imediato para as outras indústrias têxteis: Filó, Ypu, Rio Branco e Beauclair. Os operários dirigiram-se à Praça Paissandu, onde realizaram uma manifestação e, depois de ouvirem vários oradores, partiram em passeata pelo centro da cidade. A movimentação meteu medo nos grupos políticos dominantes, que, segundo José Costa, temiam por uma “revolução”. No dia seguinte, chegavam em Friburgo representantes do Ministério do Trabalho e o Chefe de Polícia do Estado. A repressão policial redundou na morte de um jovem operário da Fábrica Arp, Licínio Teixeira, que participava das manifestações junto com outros catorze companheiros, todos feridos pelos disparos dos soldados. Chico Bravo conta que ele e outros companheiros encarregaram-se de pintar uma faixa convocando a população para um ato de protesto contra a repressão policial e a morte de Licínio. Escreveram na faixa, com tinta vermelha: “O SANGUE DE LICÍNIO CLAMA POR VINGANÇA”, e muitos acreditaram que os dizeres haviam sido pintados com o próprio sangue de Licínio.


Cobertura jornalística da greve de 1933

A repressão policial que se abateu sobre a cidade seria um prenúncio do período transcorrido entre a Revolta Constitucionalista de 1932 e o golpe que instituiu a ditadura do Estado Novo, em 1937. Aqueles anos assistiram o acirramento das disputas ideológicas na cidade, promovendo lutas renhidas entre comunistas e integralistas.

A tentativa frustrada de revolta armada conduzida pelo PCB em novembro de 1935 acabou por servir a Vargas como o pretexto desejado para a decretação do estado de sítio, artifício autoritário que seria renovado, sucessivamente, até 1937. Em Friburgo, vários daqueles que haviam integrado a linha de frente da Aliança Nacional Libertadora na cidade foram presos e enviados a Niterói. Eram eles: Jorge El-Jaick, José Navega, Joaquim Naegle, Ricardo Leite, José Costa, Jacob Goltemberg, Manoel Bezerra dos Santos, Themistocles de Freitas Brito, etc. Francisco Bravo, um dos mais ativos militantes comunistas, conseguiu escapar da polícia, refugiando-se no distrito de Amparo.

Com o fim do Estado Novo no imediato pós-guerra, o movimento operário voltou a viver um momento de ascensão, e trabalhadores das principais fábricas têxteis voltaram a se manifestar, após mais de uma década de silêncio. Nos anos de 1945, 1946, 1947 e 1948, foram constantes as lutas travadas contra os patrões por melhores salários e condições mais favoráveis de trabalho. No final do ano de 1945, irrompeu um movimento dos trabalhadores da Fábrica Filó, insatisfeitos com as condições de trabalho e com o favorecimento, em termos de gratificações, aos alemães, mestres e contramestres. A luta avançou pelo início de 1946, com a exigência de melhores salários. Estourava a greve dos industriários e também dos bancários, num movimento unificado, envolvendo, principalmente, os operários das três maiores representantes da indústria têxtil. A diretoria pelega do Sindicato foi atropelada pelo movimento encabeçado pelos comunistas, organizados em torno do MUT (Movimento de Unificação dos Trabalhadores), a frente sindical do PCB. O advogado comunista Benigno Fernandes teve atuação destacada no apoio aos grevistas, assim como o consultor jurídico do Sindicato, o socialista Jorge El-Jaick.

No ano de 1948, uma das principais exigências dos operários era a extensão do abono de Natal, concedido pelas fábricas apenas a um grupo seleto de seus empregados (mestres e contramestres, centralmente). O movimento sindical lutava por transformá-lo em abono de Natal permanente, o que somente seria conquistado mais tarde, quando, por ocasião da onda de greves e mobilizações promovidas pelos sindicatos no início da década de 1960, foi assinada, em 1963, a lei instituindo o 13º salário pelo Presidente João Goulart.

Uma figura de grande expressão na luta operária e sindical desta época foi o também comunista Arquimedes de Brito, que, mesmo ocupando o cargo de encarregado de seção na Fábrica Filó, não compactuava com os patrões, muito pelo contrário, era o principal quadro dos movimentos reivindicatórios e paredistas. Certa vez, sua prisão pela polícia, que o foi buscar na fábrica, provocou a paralisação imediata dos operários, que exigiram sua soltura, afirmando que não voltariam a trabalhar enquanto o Arquimedes não fosse solto. Naquela noite mesmo, o camarada Arquimedes voltava à fábrica abraçado pelos companheiros.

Depois do breve tempo de legalidade (apenas dois anos), durante os quais chegou a ter uma sede funcionando no Bairro do Paissandu, os comunistas voltaram à clandestinidade, mas não deixaram de participar das lutas democráticas e populares daquele momento, a exemplo da campanha “O Petróleo é Nosso”, o movimento nacionalista de maior participação popular na história do Brasil. Em Nova Friburgo, os comunistas estiveram na vanguarda da preparação de um comício no coreto em frente à sede da Prefeitura (atual Câmara Municipal), que a polícia tentou proibir. Já durante o Governo de Juscelino, os comunistas viveram uma situação de semilegalidade, podendo se apresentar publicamente sem serem perseguidos. Quando o Governador Roberto da Silveira esteve visitando a cidade, em março de 1960, uma comissão de trabalhadores capitaneada por Francisco Bravo e José Costa (então presidente da Associação de Aposentados) foi a ele denunciar as condições de insalubridade a que estavam submetidos os operários nas seções de tinturaria das fábricas têxteis.

O crescimento dos grupos nacionalistas e de esquerda, em Nova Friburgo, tornou-se visível com o resultado das eleições de 1962. Foi eleito prefeito o médico Vanor Tassara Moreira, que, mesmo lançado pela UDN, nutria mais simpatias pelo PTB. Já o núcleo udenista “radical” seguia a liderança do Engenheiro Heródoto Bento de Mello, eleito vice. Na Câmara Municipal, a novidade era a eleição do líder operário Francisco Bravo, único vitorioso pelo PST, o partido de Tenório Cavalcanti, que abrira suas portas para os comunistas. Chico Bravo, então com 52 anos, conquistou a duras penas a sua eleição para vereador, pois o clero católico conservador batia de porta em porta pedindo às pessoas que não votassem nos candidatos comunistas. As campanhas do industrial Álvaro de Almeida e de Amâncio Azevedo, candidatos a prefeito e a deputado estadual pelo PSD, enfatizaram o caráter daquelas eleições como o da luta “da ordem contra a subversão; da democracia contra as ditaduras ideológicas”, conforme publicado no jornal A Voz da Serra, em outubro de 1962.

O Golpe de 64 em Nova Friburgo

Tamanha ênfase na defesa do regime democrático não se repetiria, da parte do jornal, quando dos acontecimentos que redundaram no golpe de 1964. A estratégia golpista contou com a participação ativa da UDN local, à frente o vice-prefeito Heródoto, de empresários e comerciantes, dos militares vinculados ao Sanatório Naval e com a postura no mínimo complacente dos demais partidos e da Câmara Municipal.

No ano de 1964, o cerco se fechava em torno do Prefeito Vanor, que seria apontado pelos meios de comunicação locais como a integrar a “causa comunista”. Com o golpe militar perpetrado na noite de 31 de março depondo o Presidente João Goulart, Vanor foi chamado a depor no Sanatório Naval, a fim de prestar esclarecimentos a respeito de pretensas “atitudes subversivas” por ele consumadas no dia 1º de abril, quando foi acusado de estimular greve dos operários contra o golpe militar.

Segundo o depoimento de militantes operários da época, houve a tentativa de paralisação das fábricas metalúrgicas e têxteis em Nova Friburgo no dia 1º de abril, como medida de resistência ao golpe militar, e Vanor teria tido importante participação no episódio, cedendo um jipe da prefeitura para a locomoção dos ativistas, além de estar presente nas portas de fábrica e na ida à rádio local.

Acusado pelo diretor do Sanatório Naval de “incitamento à desordem, fechamento das fábricas à força e hasteamento do pavilhão nacional a meio pau”, conforme nota dos militares publicada na imprensa e após IPM (Inquérito Policial Militar) instaurado contra ele, Vanor renunciava ao cargo de prefeito no dia 10 de abril. Vanor acusaria, anos mais tarde, a perseguição contra ele perpetrada pelos grandes grupos econômicos da cidade: ao grupo Arp interessaria a sua queda por causa da tentativa de encampação da Companhia de Eletricidade (sob controle dos Arp) pela Prefeitura. Outra empresa envolvida teria sido a FAOL (Friburgo Auto Ônibus Ltda.), empresa de ônibus que, desde sua fundação em 1950, detinha o monopólio privado da exploração das linhas municipais e que teria ameaçado com locaute à negativa de Vanor em conceder elevação das tarifas.

Consumou-se, assim, a ascensão de Heródoto ao cargo de prefeito de Nova Friburgo, numa concorrida posse no dia 10 de abril, em sessão da Câmara Municipal à qual compareceram os principais representantes da classe dominante friburguense.

E o expurgo final foi promovido através da cassação do Vereador Francisco de Assis Bravo no dia 14 de abril de 1964. A Resolução Legislativa nº 85 da Câmara Municipal, de 10 de abril, dizendo atender “às recomendações formuladas pelos representantes das Classes Armadas em Nova Friburgo, diretamente aos integrantes da Mesa”, afastava temporariamente o Vereador de suas funções, “para apuração de responsabilidades”, o que deveria ser feito no prazo de 30 dias. No entanto, quatro dias depois, seria sumariamente aprovada a Resolução nº 86, que cassava o mandato do vereador comunista. A pressão exercida pelos homens do Sanatório Naval, que visitaram a Casa três vezes até conseguirem a cassação, dobrou a Mesa da Câmara, que não ofereceu maior resistência.

Assim era interrompida a trajetória parlamentar do líder operário que, no Legislativo, destacara-se por suas intervenções firmes e por ter aberto diversas frentes de luta, como a fiscalização aos preços dos alimentos e à qualidade do leite, além da tentativa de organizar o Sindicato dos Tabalhadores Rurais, no bairro de Conselheiro Paulino. Foi o único vereador cassado na história da Câmara Municipal de Nova Friburgo, e o foi por motivos ideológicos. Além de todo o seu histórico de lutas ao lado dos trabalhadores em Nova Friburgo e de sua aberta vinculação ao Partido Comunista, com certeza ajudou a pesar na cassação de Bravo o fato de ter sido, junto com outros dirigentes sindicais e militantes esquerdistas, organizador da caravana de trabalhadores que partiu de Nova Friburgo com destino à Central do Brasil, para participar do comício pelas reformas, em 13 de março de 1964.

Os comunistas friburguenses somente voltaram a atuar sob a luz da legalidade em 1985, quando, formada uma Comissão Executiva Municipal, Francisco Bravo foi conduzido à Presidência do PCB de Nova Friburgo, como um reconhecimento dos jovens camaradas que reestruturaram o partido local à sua bela trajetória e à sua participação nos eventos políticos de então, como as lutas pelo fim da ditadura militar e pelas liberdades democráticas, que convergiram no grande movimento popular pelas eleições diretas para Presidente da República. Naquele mesmo ano era empossado na Presidência de Honra da Associação dos Aposentados da cidade.

Em 16 de julho de 1998, falecia Francisco Bravo, com 88 anos de uma vida exemplar, cuja marca maior foi a preocupação com os desvalidos de nossa sociedade. Para nós, o que fica de Chico Bravo é o espírito de solidariedade de alguém que, já nos idos da década de 1930, ajudava aqueles que vinham do interior à busca de emprego na zona urbana, arranjando agasalhos e reunindo algum dinheiro para comprar comida e alimentá-los. Como dizia o Bravo: “Aqui em Nova Friburgo era uma porta da esperança porque eles vinham batidos pela fome ... então a gente tinha que dar uma identidade a eles ... era um trabalho árduo, difícil”. Também nos fica a imagem do homem empertigado, ereto, durante suas caminhadas pelas ruas de Friburgo, a demonstrar a firmeza de quem nunca vergou diante das adversidades provocadas pelas inúmeras perseguições políticas e que tampouco deixou de acreditar no seu ideal de bravo comunista, sem dúvida nenhuma o quadro mais dinâmico que o PCB de Nova Friburgo possuiu em sua história.

Chico Bravo com Flávio e Rico.

No dia 26 de novembro de 1999, também nos deixava José Pereira da Costa Filho, o querido Costinha, aos 98 anos de uma igualmente belíssima vida recheada de lutas, dignidade e coerência ideológicas. O operário têxtil, tintureiro por profissão, o revolucionário sereno, o homem das palavras calmas e das convicções firmes, o craque de futebol do Esperança Futebol Clube nos anos vinte, Costinha era o último remanescente de uma geração de homens que dedicaram a vida em defesa do operariado friburguense. Viveu ainda mais que seu grande amigo Francisco Bravo, que Arquimedes de Brito, Manoel Leite (Lilito), o espanhol Molares, e tantos outros que não tiveram, em vida, o merecido reconhecimento pelo muito que fizeram na batalha por melhores condições de trabalho e pela valorização do labor operário, por uma sociedade mais justa, democrática e igualitária, ou seja, socialista.

José Pereira da Costa Filho (Costinha)