Mais salário, menos PLR


Sidney Moura*

“Estrategicamente não somos pelas petições de direitos que buscam
a inclusão social rebaixada dentro da ordem social capitalista.
Não defendemos a ‘cidadania e a democracia’ tomada emprestadas ao ideário de 1789.
Muito menos lutamos para vender a força de trabalho mais cara aos cassinos da burguesia. Também estamos convencidos de que não podemos desperdiçar energias depositando esperanças no sobrenatural. Somos pela humanização plena que só será possível com a emancipação do trabalho e o fim da sociedade de classes”
(UNIDADE CLASSISTA-PCB)


Antes da era da maquinofatura a vapor, que deu início à potencialização dos processos produtivos do capitalismo, grande parte das necessidades materiais humanas eram obtidas através da produção artesanal doméstica ou em oficinas. Necessidades como a do vestuário não eram obtidas em lojas de departamentos. Para adquirir-se uma sandália, por mais simples que fosse, na maioria das vezes era necessário recorrer às oficinas de artesanato.

O artesão era considerado pessoa importante, tanto na Antiguidade quanto na Idade Média. Ainda hoje, um simples vestido feito em um atelier tem cheiro de coisa chique, e os preços cobrados estão fora do alcance dos salários dos que suam. Na Idade Média, ser artesão exigia longa formação, as oficinas-escolas eram dominadas por mestres, que também controlavam as corporações de ofícios. Estas determinavam todas as regras para aqueles que desejassem desenvolver qualquer atividade artesanal em determinada região.

Antes da existência do modelo industrial como hoje conhecemos e, como antes já foi dito, para se obter uma peça de mobiliário, uma ferramenta de trabalho ou qualquer utensílio doméstico era necessário a figura do artesão. Este, com suas próprias ferramentas, concebia o modelo do objeto desejado, determinava o prazo para entrega e o valor a ser cobrado. Ou seja, controlava o produto desde a matéria prima até a hora de ser vendido ou trocado.

A revolução tecnológica na agricultura no fim da Idade Média permitiu aumentar a produção agrícola e, com esta, houve o aumento da população. Aquele momento, ao somar-se à descoberta do novo caminho para as ricas Índias e o “descobrimento” da América, no século XV, aumentou a necessidade de aceleração da produção para atender as demandas comerciais que, de forma exponencial, se ampliavam juntamente com uma nova classe social emergente: a burguesia.

O mundo estava entrando em uma nova era, onde o produtor, a apropriação e sua admiração pelo que ele próprio produzia foram paulatinamente perdendo espaço e importância. Fenômeno a que Marx chamou de alienação. O mundo estava ficando menor e apressado. Diminuir o tempo de se produzir para atender necessidades humanas e baratear o custo do que era produzido estavam na ordem do dia.

O advento da máquina a vapor contribuiu de forma determinante para ir acelerando gradualmente o sepultamento da ainda relevante produção artesanal e da manufatura. O homem foi cada vez mais se tornando um apêndice da máquina. O barateamento dos custos da mão-de-obra e o desemprego dos que foram expulsos do campo e as péssimas condições de trabalho conduziram ao radicalismo ludita.

Para arrefecer o ímpeto dos trabalhadores na luta por melhores condições de vida ou para potencializar a produção e obter ganhos ampliados, o capitalismo se utilizou de diferentes artifícios, sejam eles no nível tecnológico, gerencial ou mesmo de cooptação da classe. Entraram em cena o Taylorismo, em seguida o Fordismo, nas primeiras décadas do século XX, e mais recentemente, o Toyotismo.

Todos esses modelos englobaram de forma desigual e diferenciada os três artifícios de dominação e controle da produção dos trabalhadores anteriormente citados. O Toyotismo, no entanto, modelo mais focado no gerenciamento da produção sob stress, ou administração participativa, trouxe de forma subjacente dois vírus que, inoculados no seio da classe trabalhadora, mais danos causaram à subjetividade da classe trabalhadora e às suas reservas críticas da classe, pois esta, mesmo que de forma atomizada, possuía o mínimo de consciência que a colocava em posição antagônica à classe detentora dos meios de produção.

Sutilmente, o modelo toyotista foi cooptando os trabalhadores para cogerir os processos produtivos oferecendo em troca o emprego vitalício e a falsa ilusão de que os mesmos, como colaboradores ou “associados” minoritários, sairiam ganhando, ao terem adicionado, aos seus salários, valores variáveis relativos a uma dita participação nos lucros e resultados, a famigerada PLR.

Interessa aqui aumentar o zoom sobre estes: os vírus cultivados atualmente nos campos do mundo do trabalho. É fundamental, hoje, diante do complexo estágio de desenvolvimento do capitalismo e da luta de classes, observar esta evolução virótica e, se possível, pensar o antídoto contra o que vem provocando certa paralisia e fragmentação das organizações da Classe que entravam o desenvolvimento pleno da humanidade..

Assistimos hoje um abraço de afogados entre os trabalhadores. Embora o capitalismo de forma absoluta tenha se ampliado, as margens de lucro no setor produtivo, alicerce do sistema, não conseguem alcançar os mesmos patamares de lucratividade dos seus anos dourados. Por conta disso, a saída clássica do sistema hegemonizado pela burguesia é recorrente, ou seja, a retirada de direitos sociais e o achatamento salarial. Salários baixos têm consequências claras para a classe, pois conduz invariavelmente para endividamentos de todos os tipos. Assim, por questões objetivas, a centralidade das muitas lutas hoje travadas entre capital e trabalho está na obtenção ilusória de maiores PLRs.

Não dá para negar, no entanto, que exigir participação nos lucros das empresas sempre foi uma reivindicação dos trabalhadores geminada às exigências de melhores condições de trabalho e salários. No entanto, o sindicalismo combativo e setores da vanguarda consciente da classe foram gradualmente perdendo a centralidade da luta brilhantemente aprofundada por Marx, a questão da mais-valia. Um verdadeiro campeonato de quem consegue maior PLR tem sido exaltado como sendo expressão de sindicalismo combativo escamoteando a realidade: quanto maior for a PLR, maior será a exploração via extração de mais-valia. Ou seja, o trabalho realizado que os patrões não pagam.

Os valores das PLR não se agregam aos salários e, embora de forma emergencial, deem certo fôlego para os trabalhadores afogados em dívidas, no momento da aposentadoria é que a ficha cai. O valor da aposentadoria é irrisório, o que acarreta um padrão de vida abaixo do que aquele em que se encontrava o produtor direto antes de assumir a natural tarefa de aposentado, que é de “deseducar” seus netos. Manter um mesmo padrão significa, muitas vezes, continuar trabalhando apesar de aposentado. Por isso, além de lutar pela redução da jornada de trabalho e o fim das horas extras, devemos nos empenhar para fazer com que as aposentadorias sejam valorizadas. PLR não dá camisa para aposentados e pensionistas.

A pauta de reivindicações no enfrentamento entre capital e trabalho é extensa, e o inimigo e suas classes auxiliares não descansam. Está na ordem do dia bypassar o sindicalismo de negócio, messiânico e cidadão. O compromisso-tarefa dos que sinceramente acreditam na mudança radical da sociedade dividida entre explorados e exploradores é de levar à base da classe nos seus locais de trabalho, o desvelamento das sutilezas do capital. Não dá para continuar permitindo que a classe dominante continue dourando a pílula e manobrando com a classe trabalhadora.

Nós, da UNIDADE CLASSISTA, estamos empenhados num esforço militante em contribuir para desmascarar o truque ideológico das classes auxiliares da burguesia empenhadas em extrair de forma subliminar o consentimento dos trabalhadores em face à exploração da sua força de trabalho. Esperamos, com nossa ação político-sindical de formação ou ombreados nas lutas, oferecer à Classe a compreensão da necessidade de se por em movimento para que esta se reconheça enquanto classe para si e tome em suas mãos as rédeas do seu destino.

A UNIDADE CLASSISTA, sem autoproclamação, se empenhará na construção futura de um instrumento de organização geral da classe trabalhadora, independente de governos, partidos e patrões. Lutaremos pelos interesses mais imediatos da nossa classe sem jamais perder de vista que nosso objetivo não é para vender a força de trabalho mais cara. Nosso objetivo histórico é acabar com a mais-valia.



*Sidney Moura
Professor de História da Rede Pública, Diretor do SEPE Central-RJ, Coordenador da Unidade Classista, INTERSINDICAL-Instrumento de Luta e organização da Classe Trabalhadora e dirigente do PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO